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Como enfrentar as barreiras na alfabetização

Como enfrentar as barreiras na alfabetização

21 de Maio de 2025

Na escola, os professores se deparam diariamente com diversos desafios para garantir o avanço dos estudantes no processo de alfabetização. E, na maioria das vezes, a barreira enfrentada por um aluno é diferente daquela que se apresenta a outro, colocando o docente em uma posição que precisa ser, acima de tudo, flexível. “Em uma classe com 30 alunos, com certeza você terá crianças com necessidades variadas”, comenta Sônia Madi, especialista em alfabetização, leitura e escrita. 

Para ser flexível, o professor precisa ter um repertório de estratégias às quais recorrer. Mesmo indicando que o 1º e o 2º ano do ensino fundamental devem ter como foco a alfabetização, a própria Base Nacional Comum Curricular (BNCC) aponta a necessidade de que as propostas curriculares desenvolvidas pelas redes e instituições de ensino devem, entre outros aspectos, “selecionar e aplicar metodologias e estratégias didático-pedagógicas diversificadas, recorrendo a ritmos diferenciados e a conteúdos complementares, se necessário, para trabalhar com as necessidades de diferentes grupos de alunos, suas famílias e cultura de origem, suas comunidades, seus grupos de socialização etc.”  

Essa compreensão de que as turmas são essencialmente formadas por grupos heterogêneos corrobora a premissa de que cada sujeito tem um processo singular de aprendizagem.  

A diversidade de estudantes nas turmas foi ampliada nas últimas décadas, entre outros fatores, pelo avanço de políticas públicas que garantiram direitos às pessoas que historicamente foram excluídas do sistema educacional, dentre elas a população com deficiência.

De acordo com o Painel de Indicadores da Educação Especial, iniciativa do Instituto Rodrigo Mendes (IRM) em parceria com o Instituto Unibanco e com apoio do Centro Lemann, que reúne dados do Censo Escolar, 74,4% das escolas brasileiras têm matrículas da educação especial. Em cinco anos, o aumento foi de 41,6%, saltando de 1,25 milhão em 2019 para 1,77 milhão em 2023.

“O conceito atual de pessoa com deficiência, segundo a perspectiva do modelo social, diz respeito ao sujeito com seus impedimentos de ordem física, sensorial ou cognitiva que, na interação com o meio, tem sua participação prejudicada”, afirma Deigles Amaro, formadora e especialista em gestão educacional do IRM. Por isso, argumenta ela, é necessário identificar quais são esses impedimentos, entender a relação deles com o contexto no qual o estudante está inserido e pensar em como ampliar os recursos oferecidos a eles. 

Sônia afirma que, no dia a dia, isso significa sempre mudar as estratégias para encontrar maneiras diferentes de atender às necessidades de todos os estudantes. “Se, para determinado aluno, escrever no teclado é mais fácil, vamos escrever no teclado. Se há crianças com dificuldades perceptivas de audição, temos de pensar em novas estratégias para trabalhar a consciência fonológica [identificar sons individuais e semelhanças sonoras entre palavras e separar palavras em sílabas, entre outros processos] e mudar um pouco o caminho. Se um estudante não consegue manter o foco, temos de planejar considerando quanto tempo ele dá conta de prestar atenção”, exemplifica a especialista. 

O que pode dificultar a alfabetização? 

Mas, afinal, quais são as principais barreiras que permeiam o processo de alfabetização? Antes de mais nada, é preciso retomar o que foi dito no início deste texto: é necessário compreender que existem diversos desafios no processo de alfabetizar crianças, uma vez que cada estudante é único e pode enfrentar barreiras diferentes.  

Isso significa que, em uma sala de aula com 20 ou 30 alunos, o professor vai encontrar crianças com dificuldades e potencialidades diferentes, e é preciso conseguir enxergar isso individualmente para pensar em estratégias gerais que permitam que todos avancem. 

Barreira emocional 

Uma das barreiras enfrentadas pela professora Vanessa Martins, que leciona no 1º ano na Unidade de Ensino Básico (Ueb) Hortência Pinho, em São Luís (MA), é a emocional, sobretudo após o período de isolamento social imposto pela pandemia de Covid-19. 

A professora conta perceber que os estudantes estão, no geral, mais imediatistas, tendo pouca paciência para aprender em um processo que leva tempo, como é o caso da alfabetização. Isso fez com que as atividades realizadas para estimular o desenvolvimento de habilidades socioemocionais fossem mais recorrentes no planejamento de Vanessa. “Além de trabalhar leitura e escrita, eu tenho de tratar da questão do desenvolvimento emocional das crianças, para que elas possam compreender que cada um tem seu tempo para cada aprendizado”, comenta a professora. 

Podemos também pensar em outras situações nas quais há barreiras emocionais: pessoas mais tímidas e que têm vergonha de desenvolver a oralidade; outras que têm muito medo de errar e arriscar a escrita, seja por pressão da escola ou da família; e até, por exemplo, aquelas com quadros de ansiedade e depressão, circunstâncias que podem influenciar diretamente o aprendizado. 

Barreira social 

A professora Juliana Ávila, que atua na Escola Municipal (EM) Alberto Santos Dumont, em Lagoa Santa (MG), comenta que um dos principais desafios enfrentados por ela na alfabetização é conseguir apoio das famílias. A docente costuma propor projetos de leitura, enviando textos para os estudantes lerem em casa junto das famílias, mas, em muitos casos, os responsáveis não desenvolvem as atividades. Isso pode ocorrer por vários motivos, alguns dos quais refletem as desigualdades socioeconômicas do país, como a falta de formação educacional de pais e responsáveis ou mesmo o cansaço por conta de uma rotina intensa de trabalho.  

Cabe, então, lembrar que, se em casa os estudantes não têm um ambiente alfabetizador, a escola deve cumprir esse papel, inclusive revendo as indicações de lição de casa, propondo atividades que considerem a autonomia da turma para desenvolvê-las. 

Por outro lado, é também comum que responsáveis pressionem as crianças no processo de aprendizagem, criando ou ampliando barreiras emocionais. Vanessa relata, por exemplo, o comportamento de pais que acham que os filhos não avançam na alfabetização porque são preguiçosos, quando na verdade aquela criança só está seguindo seu tempo de aprendizagem. Para enfrentar o que pode se tornar uma barreira atitudinal, é importante que professores e gestores estabeleçam uma relação de parceria com as famílias, criando momentos de troca para explicar o processo de cada estudante, ressaltando os avanços, informando o que a escola irá fazer em relação às dificuldades e orientando como pais e responsáveis podem apoiar.  

Barreiras cognitivas 

Outros tipos de questão a serem trabalhados durante a alfabetização estão relacionados à maneira como cada criança aprende. Em alguns casos, por exemplo, um estudante pode ter ótimo letramento, mas ainda assim ter dificuldade com a consciência fonológica. Ou então ele realiza com facilidade a parte de decifrar as palavras e praticar a leitura, mas apresenta dificuldade em manter a atenção durante tempo suficiente para dar sentido ao que de fato está lendo. Nesses casos, caminhos possíveis certamente passarão pela diversidade de estratégias.  

Barreiras motoras 

Sobretudo no caso de crianças com deficiência, as condições motoras dos estudantes podem gerar a necessidade de ações e recursos para enfrentar possíveis barreiras. É o que acontece com uma das alunas de Juliana, Laís, de sete anos, que tem microcefalia.  

Laís não fala, tem dificuldade de enxergar com um dos olhos e não tem firmeza nas mãos para pegar o lápis para escrever. Além de propor atividades diretamente relacionadas à alfabetização, Juliana procura trabalhar, em conjunto com a professora do atendimento educacional especializado (AEE), o desenvolvimento da coordenação motora fina da estudante. A professora também incentiva que Laís se expresse com a ajuda de outros materiais, como o giz, riscando no chão. 

“Tudo o que ela vai absorvendo e desenvolvendo é um ganho. Nas mínimas coisas, cada avanço é uma vitória imensa para nós”, comenta a professora, que atua com Laís há cerca de um ano e meio. 

Barreiras sensoriais 

A maneira como as crianças acessam as informações, quando diferente do considerado padrão, pode ser uma barreira, se esse fato for ignorado pelo professor.  

“Quando pensamos em estudantes que não enxergam, por exemplo, se durante o processo de ensino e aprendizagem tivermos apenas estímulos visuais, isso pode se constituir uma barreira. Assim como no caso de uma pessoa que não escuta. Se tivermos informações que cheguem só por meios orais e auditivos, isso é uma barreira”, exemplifica Deigles. 

Barreiras atitudinais

No contexto da alfabetização, é possível pensar na responsabilidade dos professores de oferecer meios de enfrentar as barreiras, e não as aumentar. Por exemplo, se um docente não tem paciência para entender o tempo de aprendizagem de cada criança, ele pode amplificar uma barreira emocional. Ou se não oferecer formas diferentes de os estudantes terem acesso à informação e se expressarem, pode acrescentar tijolos a uma barreira sensorial. 

Além de apoiar os estudantes em suas individualidades, é papel dos professores estudar e entender os avanços mapeados por profissionais da área para compreender e lidar com o processo de alfabetização. Um docente preso a métodos antigos também se torna uma barreira para o aprendizado, reforçam as especialistas ouvidas pela reportagem. 

“Hoje, a alfabetização não é só uma decodificação de códigos; tem a ver com leitura e interpretação do mundo por meio do sistema escrito. Então, quando a gente restringe esse processo só à decodificação de sílabas e fonemas, por exemplo, para alguns estudantes isso pode também ser uma barreira, uma vez que eles não encontram sentido naquelas letras organizadas de determinada maneira”, pontua Deigles. 

Como eliminar as barreiras da alfabetização? 

Para Deigles, a resposta está em um modelo de educação inclusiva, que utilize, entre outras, estratégias do Desenho Universal para a Aprendizagem (DUA), desenvolvido pelo Centro de Tecnologia Especial Aplicada (Cast, na sigla em inglês). 

O DUA parte da premissa de que, para ampliar as oportunidades de desenvolvimento de cada estudante, diversificar é essencial. São três princípios primordiais: 

  • A apresentação do conteúdo precisa ter diversos formatos — como áudio, vídeo e imagens — para contemplar diferentes públicos; 
  • Os estudantes devem ser capazes de se expressar de maneiras diferentes, o que inclui estratégias diversas de contato com o conteúdo, como pesquisas ativas e trabalhos em grupo, e variedade de formatos de avaliação; 
  • Para garantir o engajamento, os professores devem pensar em como relacionar os conteúdos com o contexto dos estudantes e com a vida real. 

Segundo Deigles, esse modelo garante não apenas a inclusão de estudantes com deficiência. Por exemplo, qualquer aluno que aprenda com mais facilidade por meio de estímulos visuais também se beneficia de uma informação apresentada por imagens, e não somente aquele que é surdo.

projeto pedagógico 2 sinhá junqueira

“Oferecer múltiplas formas de engajamento, de chegada de informação e de expressão é uma estratégia para todos os estudantes, não só para os que têm algum tipo de deficiência. Pode ser que, simplesmente ofertando essa diversidade de meios, você já melhore e amplie a participação, a compreensão e a expressão com qualidade para esse aluno com deficiência e para os demais”, comenta Deigles. 

Na hora de se expressar, os professores também devem proporcionar diversas possibilidades. É o caso de Laís, que demonstra seus avanços no aprendizado riscando com o giz o chão ou apontando para peças de um quebra-cabeça, e não respondendo formalmente a atividades propostas em uma folha impressa. 

“É necessário permitir aos estudantes que se expressem de jeitos diferentes, de forma oral, escrita, gestual ou pela comunicação assistiva. A gente sabe que há estudantes que podem não registrar por escrito ou não dizer o que querem com as palavras, mas eles conseguem apontar, por exemplo”, afirma a especialista do IRM.


Texto com informações do Diversa.org

 

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